Uma luz forte ofusca-me a visão, ouço ao longe o som de sinos,
cada vez mais próximos de mim, a intensidade da luz também aumenta, vejo vultos
a flutuar na minha frente, vultos que regozijam, conversam em uma língua
estranha, não consigo entender o que dizem, não sei o que querem de mim, mas
estão cada vez mais próximos e mais próximos.
Sinto que, talvez, eu tenha de fato deixado aquele mundo no
qual infligi tanto sofrimento, talvez esse seja o céu, e esses vultos em meio a
claridade sejam anjos, mas porque eu nos céus, porque o Senhor me agraciaria
com a eternidade junto a ele, depois de tudo que eu fiz, depois de todas as
desgraças que causei. Não mereço a salvação, não sou digno de viver entre os
puros, manchado como estou de tanto pecado.

As vozes antes ininteligíveis agora começam a se distinguir,
ouço grunhidos, os sons parecem se tornar cada vez mais audíveis e inteligíveis.
Não eram anjos, mas ainda não consigo distinguir suas silhuetas, ainda vejo
apenas vultos, ouço ruídos e uma voz “central
na escuta, encontramos ele, inconsciente”. Aos poucos sinto que meu corpo e
minha alma vão retornando a mim, novamente sinto dor, fome, frio, não, eu não
estou no céu, continuo onde eu sempre estive, a espera do meu fim, e agora,
parece que ele me encontrou.
Aos poucos vou conseguindo enfrentar a luz que me cega, os
vultos se tornam mais humanos, ouço uma voz suave e feminina a dizer “ele está recobrando a consciência, rápido,
ajudem”, logo dois outros vultos se juntam a ela, perto de mim, um
agarra-me pelo braço e tenta lançar meu corpo para o alto, sem sucesso, pois
não tenho forças para manter-me em pé.
Sinto que me colocam sentado, meu corpo parece recobrar um
pouco de sua força, tento esquivar-me do contato, mas minha reação, meio que
instantânea, não é tida com bons olhos pelos dois recém chegados. Um deles
repele meus movimentos, aquelas parecem ser as últimas forças que me restavam,
sinto que algo frio é posto sobre meus pulsos, sinto como se minha pele
rompesse, não consigo mais movimentar meus braços, por mais que eu tente e lute
por isso, caio junto a grama, o rosto colado na relva, sinto o aroma e o sabor
do verde, desmaio, desfaleço, queria estar morto agora e tudo se apaga
novamente.
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