domingo, 16 de outubro de 2011

Amargar (pt. final)



Leia as partes 12  e 3

          Não sei quanto tempo se passou, não sei se ainda estou no mesmo lugar, só me recordo do doce orvalhado da grama, estou novamente sentado, ouço mais ruídos, vejo mais luzes, aos poucos vou recobrando a consciência, já consigo sentir meu corpo com maior intensidade, minha cabeça dói, meus músculos latejam, percebo os vultos a me observarem. Minhas mãos ainda estão atadas as costas pela membrana fria e dura que me impede os movimentos.

          Agora tenho certeza do que vejo, esses não são anjos, e esse não é o céu, estou em meu próprio inferno, o inferno que eu mesmo criei, sendo escoltado pelos anjos negros, carrascos e executores de minha pena terrena.

          A muito custo me colocam de pé, sou lançado para dentro do carro, soltam-me as mãos, a porte bate forte e fecha-se logo atrás de mim. Sentado, ciente de quem eu sou e de onde estou, sei que não restam mais ilusões, não me restam mais saídas, só enfrentar meu destino. Afogo o rosto em minhas mãos, as lágrimas correm soltas, um soluço crepita em minha garganta, sinto que um nó profundo me impede de respirar, a porta da frente se fecha, olho e vejo a mulher, antes vulto de um anjo, ela me olha com compaixão como se dissesse, “acalme-se, agora tudo vai ficar bem”, mas não, nada ficara bem, ela sabe disso, eu sei disso.

          O carro começa a se movimentar, olho para fora, uma última visão da liberdade, vou-me afastando da igreja e da praça, sinto minhas mãos molhadas são as lágrimas que ainda escorrem de meu rosto, sinto meu corpo transpirar, o mesmo suor frio de antes, receio em olhar para frente, pelo retrovisor percebo que a mulher ainda me observa, com compaixão, não sei ao certo se ela sabe o que eu fiz, mas vejo ternura naqueles olhos.

          Uma força me impele a olhar uma última vez em direção a igreja, antes que suma de minha visão, sinto que um cheiro de sangue brota de meus poros, uma palpitação acelera em meu peito, volto o rosto para trás, para um último vislumbre e vejo, no alto das escadarias três silhuetas que se formam, um corpo feminino e esguio e dois menores ao seu lado, eles acenam para mim, despedem-se e sorriem, um sorriso de perdão, um eterno adeus daqueles que tanto amei e a quem causei tanto sofrimento, minha esposa e meus dois pequenos, baixo os olhos por um instante, e eles não estão mais lá, só um lugar vazio, tão vazio quanto meu peito e minha alma.



fim.

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